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Como já antes referi, há duas questões subjacentes ao tema da cópia privada.
Por um lado, a existência do direito à cópia privada, por outro, a forma de compensação.
Cingindo-me à forma de compensação, no modelo proposto pela infame #pl118, todos os dispositivos digitais estão sujeitos à taxa independentemente do uso que deles é feito pelo consumidor. A reação quase unânime de indignação é clara e inequívoca. E são inúteis os bitaites do género "que atire a primeira pedra quem nunca fez cópias privadas de material protegido". São inúteis porque o direito não é feito de bitaites. O direito regula e aplica-se amiúde em função da boa ou má fé ou da existência de dolo.
Perante esta constatação tão óbvia, surpreende-me que o legislador não tenha recorrido ao método que embora financeiramente menos lucrativo, seria certamente mais justo e que sujeitaria a punição ao exercício da tal boa ou má fé por parte do consumidor.
Em quase tudo, é dada ao cidadão a escolha entre o caminho legal ou ilegal. Cabe a este decidir na plena consciência da relação causa-efeito dos seus atos.
Da mesma forma que posso comprar um bilhete para ver um espetáculo, posso esgueirar-me por uma cancela, fugir ao segurança e entrar de fininho.
Da mesma forma que posso ir a um stand comprar um carro, posso assaltar o do vizinho.
Cabe-me decidir.
Porque não deixar o cidadão consumidor decidir?
Ponham-se à venda discos rígidos, cds, dvds com e sem taxa. E façam-no de forma clara e inequívoca. Com selos, marcas, identificadores, certificados, o que quiserem. Uns taxados, outros livres.
Deixem-me decidir comprar um DVD virgem sem taxa para guardar as fotos dos meus filhos e dêem-me a opção de comprar um disco de 1TB com taxa incluída para arquivar as minhas cópias privadas.
Deixem-me exercer a minha boa fé e o meu julgamento. Criem-se os métodos de verificação que forem razoáveis. Se a polícia me manda parar tenho de mostrar o título de propriedade do carro não tenho?
E sobretudo, não passem na letra de lei, algo que ensina aos cidadãos que ter boa ou má fé é tudo a mesma coisa.
Confesso não saber muito sobre o processo legislativo em Portugal.
Como nasce um Projeto-Lei? Imagino que nasça de diferentes formas consoante o contexto e a abrangência. Ora, quem tem a função legislativa na nossa democracia é a Assembleia da República através dos seus membros, os deputados.
Por mais eclética que seja a sua formação, é impossível que saibam o suficiente de tudo. Imagino pois que recorram a "experts" nas diversas áreas sobre as quais pretendem legislar. Imagino que o façam para que não aconteçam desastres legislativos como este recente projeto-lei, o infame 118/XII.
Neste caso, a autoria é atribuída a uma série de deputados cuja proficiência em tecnologia desconheço. Segundo o Rui Seabra, os verdadeiros autores são outros, nomeadamente as instituições: GPEARI, PGR, GMCS, INPI, SPA, AGECOP, APEL, AUDJOGEST, Radiodifusoras, IGAC cujo interesse direto é por demais óbvio.
Olhando para esta lista parecem-me estar a faltar ali experts em tecnologia, gente capaz de explicar aos deputados a quantidade de barbaridades que foram escritas no diploma.
Pergunto-me. Será que isto acontece apenas com tecnologia? Espero que sim, mas presumo que não. Sobre tecnologia eu sou capaz de opinar, mas não percebo nada de suinicultura ou pescas. Que outras barbaridades estarão a ser cometidas diariamente nestes e outros setores? E que capacidade de mobilização e informação têm as pessoas que neles trabalham? Certamente menor que a dos twitteiros e bloggers que rapidamente difundem uma notícia que mexa com eles.
Dito isto, gostaria que fossem tornadas públicas as entidades e/ou experts envolvidos enquanto consultores na elaboração de projetos lei. Gostaria que os seus pareceres fossem divulgados também. Seria útil à transparência da democracia e certamente permitir-nos-ia aferir a competência dos legisladores na escolha que fizeram da sua entourage consultiva.
Senhores deputados, não precisam ter opinião sobre tudo. Não precisam saber de tudo um pouco. Precisam ser inteligentes e ter bom caráter, humildade qb e competência para saberem pedir ajuda quando desconhecem o tema.
Sempre me disseram que "quem tem boca vai a Roma". Este projeto-lei deu duas voltas à rotunda e espetou-se contra um beco sem saída.
Update: Os únicos pareceres que encontro são os seguintes (que em nada abordam o tema tecnológico)
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias
Comissão de Educação, Ciência e Cultura
É curioso reparar nas entidades indicadas para consulta (ver no final dos pareceres)
Sempre que se tenta defender a premissa absurda por detrás do projeto-lei 118/2011, a tal lei 62/98 que decide taxar "preventivamente" os dispositivos de armazenamento e cópia, recorre-se ao exemplo da Taxa de Radiodifusão.
A premissa é esta: já que não conseguimos controlar quem usa, pagam todos um pouco.
Então...
Se isto é verdade, posso assumir que ao comprar um disco "taxado" estarei legalmente abonado para o encher de pirataria?
Para quem queira saber mais:
Sobre o preço dos discos rígidos
Update: Para quem não tenha percebido o sarcasmo subjacente ao post, é óbvio que o direito à cópia privada não confere direito à pirataria. No entanto não serão poucos os que acharão esse um ressarcimento justo pelo imposto pago.