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Era desta forma que o Bolinha exprimia a sua vontade de manter a Luluzinha longe do seu reduto. Seu e dos outros rapazes do grupo. A Luluzinha era uma menina bem esperta e cheia de truques e raras eram as vezes em que não conseguia furar o esquema do Bolinha. Quando isso acontecia, a solução mais óbvia era o Bolinha mudar-se de armas e bagagens para outro clube onde invariavelmente estaria à porta o célebre "Menina não entra".
Era óbvia a tensão amorosa entre os dois. Apesar de estarem em permanente conflito todos sabíamos que no fundo a Lulu gostava do Bolinha e o inverso era também verdadeiro
Esta era a uma história aos quadradinhos da minha infância, mas também é a história dos fluxos migratórios de grupos tão pequenos como os que encontramos num canal de chat, até outros de dimensões maiores como punhado e meio de hackers de elite ou geeks esclarecidos. O sentimento de pertença ainda que alicerçado em coisas muito diferentes: ética e filosofia, valores ou gostos musicais, escolhe sempre uma representação física, um lugar físico ou virtual para os seus encontros. No chat era o IRC da rede X; para os geeks há uns anos era o Twitter, para os maçons as suas lojas. No Clube do Bolinha era o casebre de madeira (re)construído e relocalizado tantas vezes quantas as invasões das meninas.
Luluzinhas há muitas. São políticos ou corporações, associações ou lobbies. As armas são diversas mas continuam a ser inteligentes como a Luluzinha. Agora chamam-se SOPA, ACTA, PIPA, PL118, SINDE, etc.
O Bolinha estava quieto no seu clube. A Luluzinha não entrava mas queria entrar. A Luluzinha precisava do clube do Bolinha e na realidade, o Bolinha precisava da Lulu. Da mesma forma que os políticos e corporações precisam da internet. Os mesmos que há poucos anos olhavam com o desdém da moda passageira "as internetes", rapidamente perceberam que estava ali um meio direto e barato de se darem a conhecer. A si e aos seus produtos. Músicos, partidos, empresários abriram as portas do clube exclusivo do Bolinha. E no princípio o Bolinha gostou. Viu o seu clube ser reconhecido universalmente e foi ingénuo. Atrás deles vieram as regras e os regulamentos, as penas e as polícias e com os polícias, os ladrões também.
A mesma internet que esta invasão de regras pretende ordenar é aquela que serve para promover artistas com custos irrisórios de divulgação e, sobretudo, de distribuição. Há poucos anos um artista dependia de uma grande editora que fizesse lobby junto das rádios, televisões e revistas, publicasse notícias, posters e anúncios. E antes era preciso gravar a música. O acesso a um estúdio de gravação era um sonho apenas ao alcance das editoras estabelecidas. E depois era preciso produzir o vinil ou o CD. Fábricas com máquinas caríssimas a debitar plástico enlatado para as lojas.
A internet trouxe a divulgação da obra à distância de um clic. A venda do produto à distância de outro. A promoção à custa de páginas de bandas muitas vezes geridas gratuitamente pelos próprios fans. Não me lembro de ver os internautas a pedir uma remuneração por tanta facilidade e benesses oferecidas à indústria.
Se calhar é tarde demais. Se calhar a internet que conhecemos vai ser entregue às corporações, lobbies e políticos. Se calhar, o Bolinha vai emigrar e construir um clube novo onde menina não entra. Uma internet renovada, um Grande Cisma.
Há tanta forma de o fazer. Parece tarefa impossível não parece? Puro engano. Por estranho que pareça, é hoje possível construir este espaço sobre o mesmo terreno onde vive a internet atual. É possível comunicar usando os mesmos canais físicos e virtualizar uma internet totalmente nova recorendo à computação e storage distribuídos, algoritmos de cifra de informação, etc, etc.
Não sei como irá acontecer, mas sei que irá acontecer. Afinal de contas, a internet quando surgiu também foi construída sobre os meios de comunicação regulados existentes. Era um clube do Bolinha: a ARPANet. O Bolinha chamava-se então "militares" e depois "universitários".
O ciclo de construção, regulação e destruição é tema recorrente da filosofia por ser inerente ao processo humano. É mais forte do que nós, diria.
Fico a pensar que iremos voltar a falar disto em breve.