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Implícito no nome está uma "Segunda oportunidade".
Um slogan desembrulhado do género:
Insatisfeito com a tua vidinha?
Gostavas de ter uns bícepes maiores?
Uma cara de bebé num corpo de Stallone?
Experimenta a tua Segunda Vida.
Claro que o conceito não é original e existe desde os primórdios dos Talkers, MOO e chats só acessíveis aos mais nerds capazes de fazer telnet para uma porta de um servidor rudimentar algures. Desde essa altura que os avatares e a mimificação/virtualização das regras sociais existe. Com os seus estratos, zangas, amores e sarcasmos.
Pouco mudou desde então. VRMLs havia aos molhos por todo o lado cheios de gurus e promessas de uma Second Life. O facto é que todas falharam. E falharam por inúmeras razões. As tecnológicas, as sociais, comerciais ou de índole específica do projecto em causa.
Depois de uma fase moribunda em que outras novidades ocupavam a capacidade de absorção dos utilizadores, eis que surge o Second Life em cena com a promessa de mudar tudo.
A promessa de quebrar as barreiras tecnológicas com uma plataforma estável e fiável, a promessa de sustentar uma comunidade de utilizadores numa base de regras claras e um nível de interactividade que a banda larga finalmente proporcionava.
Como outros milhares de pessoas, cedi à tentação de experimentar. E aqui a aposta foi ganha. Acho que quase todos experimentam. E pouco se passa depois.
A frase mais comum com a expressão "Second Life" é: "sim, eu já experimentei. Andei a passear de um lado para o outro e achei aquilo tão monótono e aborrecido que nunca mais voltei"
A minha experiência não é muito diferente desta. A curiosidade profissional e a vontade de perceber alguns fenómenos fizeram-me perder mais horas do que o utilizador comum. Honestamente, fi-lo desejando ardentemente encontrar alguma utilidade (ainda que meramente lúdica), ou alguma razão para lá voltar. Não consegui.
Os adeptos (sim, há adeptos para tudo) atiram-nos as estatísticas à cara. Querem provar o sucesso do Second Life com curvas de crescimento e de número de horas online. A verdade é que essas curvas são bem diferentes quando justapostas ao crescimento dos utilizadores da internet no mundo. Feito esse exercício, os números impressionam muito menos. Mesmo nada.
Nesta procura de razões para o insucesso (na minha perspectiva, claro), encontro vários argumentos. São argumentos de quem passou lá algumas horas e quem deu mais do que uma chance ao projecto para o impressionar. Provavelmente estão cheios de incorrecções e omissões. Se o estão é porque algo está errado e a informação não passa para o utilizador.
1. A estabilidade é um mito.
São inúmeras as vezes em que sou confrontado com a mensagem de que o mundo onde estou vai acabar para um upgrade qualquer. Fico sempre com vontade de fazer alguma coisa dramática como fazem os doentes terminais que sabem só ter mais uma semana de vida. Mas nem isso posso fazer. Afinal, o que posso eu fazer de dramático sem que me ponham fora dali?
2. Permanentemente inadaptado.
Eu sei que vou lá poucas vezes. Mas é estranho que 90% das vezes que abro a aplicação, sou informado que o software que tenho é velho e caduco. Só actualizando para a última versão XPTO é que poderei entrar. E são sempre 70Mb de download. 70Mb de uma inutilidade confrangedora. 70Mb dão para dois álbuns do Jaco Pastorius com os solos incluídos. O meu software está sempre inadaptado.
3. Quem é esse Linden Labs e porque raio manda ele no mundo?
É Deus! É o dono do mundo. O tipo que tem a bola e só empresta a quem quer. Uma entidade secreta com uma polícia de regime da pior espécie. Uma oligarquia malévola que tudo controla e comanda. Como se de repente o Zeus olhasse cá para baixo e dissesse. Rapazes, temos pena. Eu sei que estavam aí a ver o strip-tease da "ladyhawk" todos excitados, mas agora tenho de mandar o mundo abaixo. Mas não se preocupem, volta tudo amanhã à mesma hora.
O Zeus é um Zeus moderno. Aluga espaço. Vende uns terrenos. É uma espécie de REMAX do mundo. E o mundo é como a Vila da Nazaré no verão. Está cheia de anúncios a dizer "rooms, chambres, habitaciones, zimmer".
Em resumo, o mundo é muito Orwelliano no Second Life.
4. Só os esclarecidos podem ser artistas.
No Second Life nunca teremos um António Aleixo, nunca teremos qualquer criação popular. Porque o povo não está autorizado a criar. Só aos esclarecidos e académicos foi concedido o dom de criar. Zeus escolheu os seus semi-deuses e só eles podem usar as ferramentas de criação e modelação de mundos.
Isto é uma inversão do que entendo como "life". É estúpido e redutor. É um argumento para a auto preservação da oligarquia dos semi-deuses do mundo virtual.
5. É um mundo capitalista. Capitalista bacoco.
Porque num mundo verdadeiramente capitalista, eu não preciso sair do mundo para ganhar dinheiro. O capitalismo é autofágico. Alimenta-se dele próprio. Para eu ganhar dinheiro, alguém tem de o perder. E para que o dinheiro exista, tem de haver produto e produção. Ora, no Second Life, para me tornar um capitalista, basta sair do mundo virtual, entrar no real, puxar do cartão de crédito e comprar. Comprar... dinheiro. Linden Dollars claro. Eu devia poder assaltar alguém e roubar-lhe a carteira. Ou simplesmente produzir batatas e vender na feira, mas não. É um capitalismo da treta. Pior ainda que o real.
6. Sou uma alma penada: a interacção virtual não existe.
No Second Life somos todos almas penadas. Pairamos por aí a penar. E penamos por onde queremos. Mas nem almas penadas de jeito podemos ser. Fantasma que se preze pode atravessar uma porta ou um muro. Nós não. Temos de obedecer às leis da física. Quero dizer... Algumas leis. Voar é giro. Mas incongruente.
E somos almas penadas porque não temos qualquer influência no ambiente que nos rodeia e muito menos nos nossos concidadãos. Não posso partir um braço a ninguém. Bem me apetecia pregar uma rasteira ao rufia da Zona Bear, mas não posso. Sinto-me transparente.
7. Viver para vestir e despir.
É onde todos perdem mais tempo. A mudar, acrescentar, retirar, vestir e despir o avatar. O Second Life quase funciona como um gabinete de prova da Zara. É levar uma pele nova, uns olhos catitas e uma peruca e experimentar. Claro, se formos capitalistas, temos direito a um crescente guarda-roupa catita que nos faz parecer umas almas penadas mais bem vestidas do que as outras.
Podia continuar a enumerar dezenas de outras razões para o insucesso mas todos acabam num longo e bocejante "boooooring!".
Senhor Zeus, eu gostava de poder descobrir algo no Second Life. Ser um Vasco da Gama, um Pedro Álvares Cabral, um inventor qualquer que tinha descoberto algo antes dos outros. Isso é que seria uma grande segunda vida.
E no entanto, justiça seja feita ao Zeus ou Júpiter lá do Olimpo. Eles fazem bom uso dos sestércios e dos dólares. Há sempre alguma novidade tecnológica ao virar da esquina. Até já posso falar e os outros, ouvir. Sou uma alma penada que fala. É um progresso. Já é possível ver streams de vídeo e ouvir áudio em algumas zonas.
Com tudo isto, são várias as iniciativas que tentam fazer uso da plataforma. Desde concertos (meu deus... concertos!) ao vivo de bandas de rock para uma audiência máxima de 90 pessoas (é que não cabem mais na ilha. Restrições de Minerva), até conferências e apresentações. Perde-se totalmente a noção do conteúdo para valorizar o meio.
É como se de repente o Camões decidisse apresentar a sua obra épica pela primeira vez no Second Life e ficasse tudo extasiado com o cenário da apresentação, com a roupa do avatar X ou Y e com a qualidade da voz ouvida nos auscultadores. Mas ninguém se lembraria do conteúdo certamente.
Isto tudo a propósito de um artigo que li no blog do Enrique Dans (o grande Enrique Dans), que foi pioneiro de uma apresentação no Second Life no âmbito da apresentação da Feira Espanhola de Emprego.
Achei curiosas mas simultaneamente cândidas as recomendações do Enrique para os futuros conferencistas.
Leiam para espairecer depois deste relambório contra o Second Life.
P.S. O meu avatar é o Poingg Oh
:)