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Spin Doctor

Insulto à inteligência dos deputados

Depois de ler o documento/memorando apresentado pela AGECOP no âmbito das audições parlamentares sobre a PL118 e se dúvidas houvesse, concluo que as suas posições não derivam da ignorância mas que são propósitos deliberados e cuidadosamente elaborados para induzir em erro o legislador e assim levar a água (leia-se os euros) ao seu moínho. Estão no seu direito. Lobbying é isso mesmo e não questiono. O problema é que se alguns parágrafos revelam argúcia de profissionais do "spin", outros já sugerem que os destinatários do documento devam ser desprovidos de inteligência. Nada abonatório dos deputados da comissão.

 

Note-se bem. Os comentários que faço resultam da interpretação do documento da AGECOP. Em muitos casos tive de ler, reler e pedir verificação a terceiros pois custava-me a acreditar nas coisas que lia. Se alguma das minhas interpretações estiver errada (e é possível que assim seja) façam-me o favor de fazer chegar a vossa versão através dos comentários.

 

Quais são pois os temas que AGECOP decidiu levar ao parlamento?

2.1 O termo taxa levanta objeções. Preferem tarifa

Eu compreendo que prefiram tarifa. Assim como... a tarifa municipal para a conservação de esgotos por exemplo? Recomendo à AGECOP a leitura do Acórdão do Tribunal Constitucional a propósito da Lei 62/98 que elabora doutamente sobre o tema e que chega a declarar inconstitucionais alguns artigos.

 

2.3 Não estão interessados no DRM

Olha AGECOP, eu concordo contigo. Mas como facilmente se compreende, por motivos bem diversos. O DRM limita a cópia privada. Assim sendo, deixaria de fazer sentido aplicar a "tarifa" aos dispositivos que implementasse DRM não era? E sem taxa, claro, não há dinheiro nos cofres. Aliás, a própria diretiva comunitária que usam na argumentação fala em direito a "compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de carácter tecnológico" Percebido e entendido AGECOP.

 

2.4 Não querem acordos e mediações

AGECOP no seu melhor. A pl118 previa a possibilidade de celebrar acordos com pessoas singulares ou coletivas com ou sem fins lucrativos para que estas pudessem estabelecer acordos específicos relativos às taxas quando estivesse em causa servir o público. A AGECOP rejeita obviamente e prefere um "o que está dito, está dito"

 

2.5 Querem alterar a redação do artigo que indica quem deve pagar a taxa

Pretendem incluir "os adquirentes intracomunitários" no rol. E mais, pretendem que isto se aplique em caso de aluguer, comodato ou disponibilização por outro meio. Espera... Então se eu for comprar o disco a Espanha, passo a ser um adquirente intracomunitário? E se um equipamento for adquirido temporariamente por empréstimo também paga taxa? Agora digam-me lá. Isto foi ou não foi muito bem pensado? Tem ou não os requintes de malvadez que encontramos em algumas organizações obscuras? Mas isto melhora:

2.6 Sempre que um titular de direitos não tenha mandatado alguma entidade de gestão (uma associação por exemplo) e caso essa associação não faça parte da AGECOP (preferencialmente), então num prazo de 1 a 3 anos, a AGECOP tem o direito às verbas que lhe seriam devidas.

Digam-me que eu li isto mal. Isto é ignóbil demais para ser verdade.

 

2.9 Não querem pagar a taxa ao IGAC

E, suprema ironia, dizem que esta sim é uma taxa. E maior ironia, dizem que os titulares de direito de autor estão a pagar uma taxa pela pura e simples fiscalização do cumprimento da lei. E eu digo-vos que os autores, ao serem obrigados a associar-se debaixo da AGECOP e a suportar os custos administrativos da AGECOP, estão a fazer a o mesmo!

 

Passando à fundamentação e aos gráficos

Investimento indústria

 

Abrem com um gráfico que compara a percentagem de investimento em INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO com o investimento em ARTISTAS E GRAVAÇÕES. Não só comparam alhos com bugalhos, como ainda por cima falam de bugalhos do reino Unido. A junção da coluna da "música" é da autoria da AGECOP. O documento original pode ser visto aqui e é publicado pela IFPI cuja homepage se congratula fortemente com a assinatura da ACTA. Acho que não é preciso dizer mais.

 

E segue-se um estudo com 1 ano e meio de idade encomendado pela AGECOP

 

O estudo não é apresentado. Isto seria suficiente para o ignorar, mas vamos lá. Abre dizendo que 85% dos inquiridos (quais? que perfil?) faz gravações de conteúdos musicas. E diz que 99% usa o computador com leitor de CDs para reprodução de conteúdos. E daí? Qual é o problema de ouvir um CD comprado no meu computador? Nem cópia privada existe. Mais à frente, estabelece uma média de gravação de 64 músicas por mês. Não diz onde é gravada, Agora um descuido que acaba por sugerir o universo de entrevistados. Querem-nos fazer crer que 57% dos inquiridos faz GRAVAÇÕES de filmes essencialmente a partir da TV em... DVD (50%) e DivX (39%). Mas foram entrevistar quem? Um vendedor de filmes piratas na feira de Carcavelos. Só pode. 15% grava filmes ou séries 2 a 3 vezes por semana!

 

Prossegue com mais uma pérola indicativa da amostra. Só 15% gravam habitualmente jogos.

 

Portanto, para gravar programas de TV (note-se que estamos a falar de usar o computador para o efeito) que requer a aquisição de hardware e software de digitalização, o tal universo adere em massa. Para copiar jogos já é uma minoria. Cada vez mais credível este estudo.

 

E a pérola das pérolas deste documento, que é um insulto à inteligência dos deputados a quem foi dado ler.

 

"Os casos particulares de equipamentos exclusivamente utilizados para a reprodução e armazenagem de conteúdos próprios - a existirem. o que está por demonstrar - são um claro desvio ao comportamento padrão"

 

Fica-se boquiaberto com o topete de uma declaração destas. Revela vontade clara de enganar o leitor. De tal modo é desligada da realidade que não posso concluir de outra forma. Ninguém pode de boa fé dizer uma barbaridade destas.

 

A AGECOP continua agora queixando-se das baixas (?!?) tarifas previstas na PL118

 

Ó AGECOP, nem sempre a melhor defesa é o ataque. Que o diga o general Custer. Sabem o que é a manipulação das médias não sabem? Há duas formas de o fazer: contando com os que têm taxas ou com os que não têm. As vossas contas são assim: O José paga 100. A Maria e o Manuel não pagam. Logo, a taxa média é 33.3% Haja um pouco de decoro. Não insultem a inteligência dos deputados a quem entregaram o estudo. Leiam o estudo original feito em Inglaterra. 

 

E agora a famosa regressividade.

 

Argumenta a AGECOP que o facto de a tarifa por GB passar de 0.02/Gb para 0.005/GB após 1TB é uma taxa regressiva. E queixam-se do facto. Não acham que tal se justifique. Nem o "spin doctor" da AGECOP consegue fazer passar esta ideia. Sim, a taxa por GB diminui a partir de 1TB, mas continua a CRESCER em valor. Por favor não insultem a inteligência dos destinatários da vossa comunicação.

 

E sugerem que 25,6 euros de taxa num disco de 2TB que custa ~80 euros, é um "valor irrisório".

 

E prosseguem para a conclusão dizendo que "tiveram ocasião de demonstrar" que estes equipamentos não são usados para gravação de conteúdos próprios. Mas demonstraram como? Onde? Mais um insulto a quem lê.

 

E termina a AGECOP falando de quem paga a taxa. Depois de ter classificado a "lei de Moore" como uma adivinhação (do demo acrescento eu), decide a AGECOP adivinhar qual o comportamento do mercado (leia-se dos importadores e comerciantes) de equipamento eletrónico.

 

E conclui a AGECOP que apesar do preço das taxas ser em muitos casos superior à própria margem de lucro, o preço não irá ser refletido no consumidor final.

 

É neste ponto que eu já estou a bater com a cabeça na parede e a balbuciar sons impercetíveis enquanto me vou babando profusamente sobre o teclado.

 

Update: Está também disponível online a posição da AGEFE (Associação do setor retalhista e importador) 


6 comentários

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De Rui Leite a 30.01.2012 às 14:33

Agradeço muito os esclarecimentos, que apenas vem confirmar a percepção que já tinha de que esta taxa é um completo disparate destinado apenas a encher os cofres destas tenebrosas sociedades que se dizem protectoras dos autores.
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De Nuno Simaria a 30.01.2012 às 19:16

Muito bom artigo. Ao rever os documentos linkados, não vi em nenhum lado qual será a política utilizada para distribuir pelos artistas o dinheiro recaudado pela tarifa. Passou-me ao lado ou não existe nenhuma menção a este ponto importantíssimo?

Acabo de escrever para a AGECOP para que me esclareça. Duvido obter resposta.
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De Eduardo a 30.01.2012 às 20:43

Olá Nuno, a forma de distribuição está na lei 62/98 e na 50/2004. A verdade é que não se consegue encontrar o relatório e contas da AGECOP para aferir a forma como estão de facto a distribuir as verbas.

Se obtiver alguma resposta partilhe-a!
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De Nelson Cruz a 31.01.2012 às 02:27

Eduardo, no contexto da legislação de Direitos de Autor, reprodução = cópia. Agora volta lá a ler a parte em como 99% usa o computador para reproduzir música, e 95% para filmes/séries. Pois...

Completamente impossível que tal seja tudo gravações/cópias legais. 95% dos portugueses teriam de ter computadores preparados para captura de vídeo de sinais TV. A não ser que sacar da net o que alguém gravou nos EUA/Canadá/UK seja legal (ao contrário do que nos vêm dizendo vários intervenientes do sector). Números de cópias de música também são igualmente absurdos para serem cópias legais. Quem dera às editoras estarem a vender tantos CDs!

Se perguntaram aos inquiridos qual a origem dos "conteúdos", não o revelam nestes dados. Não lhes interessa fazê-lo. A estratégia parece ser: para efeitos de justificar taxação assumir que é tudo Cópia Privada legal. Quando sair a proposta de lei anti-pirataria, já vão dizer que afinal é tudo ilegal.

Guardarei este documento para essa altura. Porque das duas, uma. Ou a AGECOP acha que 95% dos computadores consegue gravar filmes e séries das emissões TV, e é completamente ignorante, ou acha que sacar filmes e séries da net é legal. :)
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De Nelson Cruz a 31.01.2012 às 03:36

Afinal são 85% a fazer gravações de música, e 57% filmes e séries. Só olhei para os bulletpoints e não vi o preâmbulo. Mesmo assim completamente irrealista que isto sejam só gravações legais.
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De Eduardo a 31.01.2012 às 03:45

Yeap. Adoro estes estudos em que não sabemos o universo, as perguntas, enfim nada... Parecem algumas notícias que começam "Há um estudo americano que diz que..." e depois é só juntar água.

Enfim...

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